
COMUNICALCS
A VOZ ATIVA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS – UFSC

5ª EDIÇÃO
O Jornal Estudantil do Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais | UFSC
ABRIL-MAIO/2020
COMUNICALCS
A voz ativa das Ciências Sociais

AdiaENEM
Editorial
ENSINO REMOTO E EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA: OPORTUNIDADE OU ARMADILHA?
⠀⠀⠀Provavelmente ao acordar hoje, você refletiu sobre os desafios de viver mais um dia dentro de uma realidade praticamente paralela aquela que tinha há poucos meses. De repente, mudanças jamais vislumbradas pela maioria de nós passaram a vigorar no nosso cotidiano, nas coisas mais simples. Máscaras, respiradores, estado de emergência, água e sabão, e muito, mas muito álcool em gel, começaram a atravessar nossa vida e imaginário. Mesmo as pessoas mais calmas e organizadas estão vivendo experiências bastante difíceis dentro de suas residências. Sem contar os(as) milhões de trabalhadores(as) que, impedidos(as) de fazer o distanciamento social adequado por negligência dos governos e imposição das empresas, deparam-se diariamente com a exposição a uma doença sobre a qual ainda não temos conhecimento suficiente.
⠀⠀⠀Neste contexto crítico, é óbvio, outro assunto vem à tona: a educação. A princípio, lá no início do mês de março, as Instituições de Ensino Superior ainda planejavam medidas tímidas, embora importantes, de contenção da circulação de pessoas, fazendo paralisações curtas de atividades presenciais, as renovando com base em novas informações, no entanto, ao passo em que o ano evolui torna-se mais evidente que estas medidas restritivas são fundamentais e precisam ser ampliadas para evitar a sobrecarga do sistema de saúde brasileiro e, consequentemente, a perda de vidas. Por causa disso, nunca antes ouviu-se tanto falar sobre educação a distância e ensino remoto como possibilidades de mitigar os danos pedagógicos da suspensão das atividades acadêmicas nas universidades e escolas, inclusive, sendo vendidos como oportunidades por influencers.
⠀⠀⠀No entanto, existe uma diferença entre estas duas propostas. A Educação a Distância – EaD, consiste em uma modalidade pedagógica que reúne instrumentos tecnológicos, metodologias apropriadas, formação continuada de
docentes, tutoria permanente, além de pólos regionais, responsáveis pela manutenção do serviço e apoio ao(a) estudante e professor(a). Por sua vez, o ensino remoto tem mais haver com uma medida emergencial, para que se atenda provisoriamente as necessidades de um(a) ou mais estudantes que precisam de um atendimento específico, ou, é um modo de um(a) docente impossibilitado(a) de dar aula presencialmente, manter a oferta do serviço. Destacamos, de partida, que ambas as formas de atuação, neste momento, não encontram condições reais de sua efetivação na nossa realidade, e várias universidades brasileiras e profissionais da educação apontam isso.
⠀⠀⠀O EaD tem como uma de suas características principais o intuito de democratizar as possibilidades de se formar no ensino superior, mas o ensino remoto que está sendo debatido pelas instituições, sejam elas privadas ou públicas, como forma de substituir o presencial, por não cumprir com as estruturas de que o EaD é constituído, nega aos(as) alunos(as), que integram o corpo estudantil da modalidade presencial, as oportunidades de se ter uma formação com qualidade, além de excluir alunos(as) que não possuem as ferramentas necessárias da participação de um possível calendário acadêmico realizado de forma não presencial. Até o momento, o governo não tem uma proposição mais contundente no sentido de prover tais condições.
⠀⠀⠀Um pouco mais ousados que os reitores, e também, equivocados, governadores têm possibilitado que as crianças e adolescentes acompanhem aulas e realizem atividades avaliativas virtualmente. Os efeitos à longo prazo são incertos, mas podemos notar a ineficiência deste sistema já na atualidade, em que vários(as) estudantes não estão nem ao menos conseguindo acessar as plataformas disponibilizadas pelas escolas, principalmente, porque internet, microcomputadores, e
outros instrumentos digitais, ainda não são bens universais, e asseguramos, que não serão durante uma pandemia, em que faltam recursos mesmo para garantir a sobrevivência de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica (vide, a demora do auxílio emergencial do governo federal).
⠀⠀⠀Com o distanciamento social, os debates acerca da preparação dos(as) alunos(as) que prestarão o ENEM, até então marcado para o mês de novembro, estão sendo feitos totalmente via sites, redes sociais e plataformas digitais, nas quais as maiores reivindicações estão sendo quanto a falta de espaços adequados e condições materiais para o preparo dos alunos(as) de baixa renda (impedidos(as), inclusive, de debater), com enfoque naqueles(as) que residem em periferias, favelas, comunidades tradicionais e áreas rurais, nos quais as bibliotecas públicas são o principal meio de acesso qualitativo de informações, já que proporcionam computadores, livros, internet, entre outras possibilidades. Podemos refletir sobre a função social destas bibliotecas para aqueles(as) que já ultrapassaram esse processo, e ainda precisam delas e dos laboratórios de informática que a universidade dispõe, que é o nosso caso, os quais permanecem fechados devido às medidas de segurança. Nesse sentido, precisamos defender o óbvio - o ensino público, gratuito e de qualidade deve abranger a todo o corpo estudantil, seja secundarista ou universitário.
⠀⠀⠀Além disso, na UFSC há um grande número de alunos(as) que precisam de acessibilidade para sua formação acadêmica. Em um esquema de ensino remoto, que está sob discussão em vários níveis da instituição, a universidade também deve continuar prestando acessibilidade aos(às) alunos(as) com deficiência, com restrições motoras ou dificuldades cognitivas. A pergunta que emerge é: Quais seriam as medidas que a universidade tomaria para abranger todos(as) esses(as) alunos(as), para que o ensino remoto não se torne um empecilho ao invés de uma solução?
1

⠀⠀⠀Segundo estudantes de Ciências Sociais que estagiaram na Coordenadoria de Acessibilidade Educacional (CAE), muitos(as) estudantes não conseguem acompanhar aulas à distância, pois precisam de acompanhamento mesmo nas que são presenciais, cabendo, várias vezes, aos(às) professores(as) serem ou não inclusivos(as). Os(as) alunos(as) cegos(as) ou com baixa visão, por exemplo, são auxiliados(as) nos estudos através de softwares leitores, e a maioria só tem acesso por meio da Biblioteca Universitária, e mesmo quem possui em casa, tem limitações quanto ao formato dos arquivos de leitura, pois nem todos são compatíveis com os softwares. Alunos(as) surdos(as), ou com outras dificuldades auditivas, não conseguiriam aproveitar por completo as aulas em formato de vídeo, principalmente, porque muitos(as) professores(as) não têm preparo para tal, e os e-books não são suficientes. Estudantes com dificuldades cognitivas que têm o auxílio dos monitores nas aulas presenciais, também seriam prejudicados(as), pois não teriam este auxílio diante das aulas em vídeo, e a absorção de conteúdo seria problemática. Caso a Universidade não dê conta deste pequeno, mas importante, conjunto de questões relacionadas à acessibilidade, conseguirá atender a diversidade do corpo estudantil em sua integralidade?
⠀⠀⠀Pode parecer, em uma primeira mirada, que nós, universitários(as), dispomos de melhores condições para enfrentar o ensino remoto ou a educação à distância que estudantes do ensino básico (o que já se mostrou equivocado). Mas, é importante destacar que, no caso de estudantes de Ciências Sociais da UFSC, nós não nos matriculamos em um curso virtual, ou semipresencial. Nossos(as) professores(as) não têm a capacitação adequada para atuar em nenhuma destas modalidades pedagógicas que envolvem as novas tecnologias de informação e comunicação - TIC. E os(as) estudantes? Segundo levantamento feito pela coordenação do curso de Ciências Sociais, com apoio do Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais, apenas 30% dos(as) estudantes respondeu que dispunha das condições adequadas para compor aulas virtuais. Essa é uma informação que não podemos desconsiderar. Além disso, mesmo que se consiga em curto prazo melhorar estas condições, como é que o atendimento será isonômico e universal, se há estudantes que nem mesmo tem conexão com a internet, que os(as) impediu, inclusive, de responder a este e qualquer outro formulário? Somado a isso, há ainda quem perdeu seus empregos, ou não puderam acessar bolsas de estágio e monitoria, nem
mesmo de permanência e auxílio moradia, devido a reconfiguração dos serviços da UFSC na pandemia. E os(as) estudantes que têm filhos, ou familiares que dependem de seus cuidados diários e contínuos? A saúde mental, tão debatida na contemporaneidade, que lugar ocupa na discussão sobre a educação em tempos de pandemia?⠀⠀⠀Não podemos fechar os olhos para a saúde mental e emocional dos(as) estudantes que se encontram cada vez mais desgastados e vulneráveis devido ao atual cenário social, não apenas por conta da pandemia, mas da conjuntura que a circunda. Como exigir participação e produção acadêmica tendo em vista que muitos(as) não estão tendo nem mesmo segurança alimentar, devido a insuficiência, ou a demora, dos auxílios emergenciais, sejam eles das instituições de ensino ou das instituições governamentais?
Em última instância, a sala de aula, a interação presencial, o trato pessoal, oportuniza que os(as) estudantes estejam lá e, portanto, que tenham um acesso igual ao debate promovido em sala e aos conteúdos disponíveis. Estando impedida esta forma na atualidade, com razão, como garantimos isso em meio a tamanha crise? São questões que ainda não têm resposta, e muitos(as) nem mesmo se perguntam.
⠀⠀⠀Temos ciência, no entanto, das problemáticas de não se ter aula, ou da não realização de atividades comuns do cotidiano universitário, por isso, defendemos a suspensão até que se torne seguro manter estudantes dentro desse espaço que é a universidade, respeitando as medidas de saúde, para que na pós-quarentena todos possamos voltar a uma nova normalidade e reconstruir nossas rotinas. Entendemos, também, a necessidade de se prosseguir as pesquisas, projetos de extensão e bolsas, contemplando estudantes e comunidade externa com uma das coisas mais necessárias neste momento - a produção e divulgação do conhecimento científico.
⠀⠀⠀É evidente que existem lobbies por todo o Brasil, e dentro de nossa própria instituição, na defesa do EAD e do ensino remoto, suas reais intenções talvez não descubramos, mas, é de notar que em momentos de crise, organizações e movimentos, que se querem neutros, desenvolvem oportunidades de aplicar seus ideários, sem grandes resistências mas que, na verdade, são armadilhas. É notório que ano após ano multipliquem-se os cursos à distância e as propostas de informatização do conhecimento. Contudo, o processo pedagógico responsável por um bom ensino-aprendizagem jamais será automatizado;
dar uma aula não pode ser o simples ministrar de um conteúdo, mas sim, uma intensa troca de saberes que, obviamente, para que se tenha isonomia, deve ocorrer em um ambiente que possibilite a apreensão adequada de todos(as). Não somos ingênuos(as), isonomia só existe no ideal e, como futuros(as) cientistas sociais, sabemos que uma sociedade estruturalmente racista, misógina e profundamente desigual não pode produzir igualdade. Nesse sentido, imagine como tais assimetrias irão perpassar as realidades de estudantes que já estão amargando os problemas comuns de uma crise de saúde pública e a ausência de condições materiais. Desejamos aprofundar problemas sociais?
⠀⠀⠀Para finalizar este editorial, queremos dar uma boa notícia, após pintar um cenário cheio de indagações. Neste momento, as fissuras e contradições do sistema econômico e político, ao qual estamos submetidos(as), estão mais transparentes que o habitual e, portanto, temos chances de desafiá-lo; é evidente que sentimos as coisas de modo distinto, mas nos é comum a necessidade de organização, que conteste, reivindique, interdite e avance; em suma, provoque mudanças. Coletivos, movimentos sociais e mesmo grupos de amigos(as) têm se
voluntariado em todo o país, em todo o mundo, para tornar o distanciamento social dos(as) demais menos difícil. Cada um(a) de nós, dentro das possibilidades, deve fazer o mesmo. O papel social da nossa Universidade, e o caráter questionador do nosso curso, devem aflorar, e não reduzir-se ao caos de um ensino remoto feito às pressas para salvar disciplinas e formaturas. A nossa radicalidade deve residir no fato de que estando juntos, mesmo distantes, e lutando coletivamente a despeito de nossa diversidade, possamos não apenas resistir aos ataques à educação pública de nosso país, bem como, fazê-la ainda melhor. As condições materiais que estão postas nos dão uma situação de difícil contorno, é verdade, mas como em todos os momentos históricos anteriores a este, a nossa capacidade de transformação passa pela firmeza das ações e a ternura de nossa solidariedade. Nossa postura como defensores da educação deve ser crítica, responsável, coerente e, sobretudo, coletiva. As decisões, devem ouvir a todos(as), em todo o momento. Por isso, devemos saber separar o que é oportunidade, do que é armadilha, e qualquer proposta que não leve em consideração a desigualdade do nosso país, é uma cretina armadilha!
Maio de 2020.
Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais – UFSC.
2


NOTÍCIAS
Fique por dentro das notícias do CALCS!
Diálogos Sociais
⠀⠀⠀Em 1º de maio, Dia Internacional das Trabalhadoras e dos Trabalhadores, aconteceu o Diálogos Sociais em casa! O evento contou a participação do Dr. Jacques Mick, professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política e Coordenador do Laboratório de Sociologia do Trabalho (LASTRO) da UFSC, mediado pela aluna Ângella Monteiro com a discussão do tema: Precarização do Trabalho e Desigualdades. A live realizada no Instagram obteve 148 visualizações e devido a qualidade do debate, o Centro Acadêmico pretende realizar em breve uma nova edição.
CALCS na Quarentena
⠀⠀⠀Neste período de excepcionalidade, o Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais permanece ativo, correspondendo a suas responsabilidades. Além disso, os(as) representantes discentes, em sua maioria membros do CALCS, mantêm-se atuando nas instâncias colegiadas com a finalidade de transmitir as opiniões do corpo estudantil sobre questões como: suspensão/cancelamento do semestre, auxílios aos(as) estudantes em vulnerabilidade socioeconômica, ensino remoto e modos de combater os ataques à Universidade Pública, realizados pelo Governo Federal.
⠀⠀⠀As reuniões da entidade, desde as primeiras semanas do distanciamento social ocorrem pelo menos uma vez por semana, com pautas divulgadas anteriormente, sendo oportunizado espaço para a participação de todos(as) estudantes que se interessem. Além disso, continuamos participando de espaços do movimento estudantil, como sessões do Conselho de Entidades de Base – CEBs, que decidem coisas primordiais do cotidiano estudantil da UFSC. Nossos canais de comunicação permanecem abertos e estamos dispostos a tornar esse período sensível, o mais tranquilo possível para cada uma e cada um de nós!
Atuação do CALCS na ERECS
⠀⠀⠀O Encontro Regional dos Estudantes de Ciências Sociais (ERECS), é um evento bianual construído e realizado por estudantes do curso de toda a região Sul, o qual o CALCS encara como de extrema importância para a comunidade acadêmica. Devido problemas de organização regional, a edição passada não contou com contribuições da UFSC, mas desde metade de abril estamos articulando com outras Universidades do Sul para que uma próxima edição seja realizada.
Campanha de Solidariedade
⠀⠀⠀Desde março, a UFSC vem enfrentando as consequências da pandemia instaurada pelo advento do vírus COVID-19. Tendo as atividades paralisadas, quem possui vulnerabilidades socioeconômicas são os mais afetados. Pensando nesses estudantes, o CALCS iniciou uma Campanha de Solidariedade! Processo seguido de diversas etapas para garantir a segurança de todas e todos, iniciando com a compra de de vários produtos não-perecíveis (arroz, feijão, farinha, etc), além de demandas específicas, como de mães estudantes. Todos os itens passaram por higienização, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), para no fim conseguirmos realizar as entregas em cada residência. A campanha está contanto com o auxílio de estudantes do curso, docentes e qualquer um que queira ajudar de alguma forma. Agradecemos a todas e a todos que puderam contribuir.
⠀⠀⠀No link abaixo você pode visualizar as tabela de finanças da nossa Campanha, com os valores recebidos de doação nas contas Nubank e Itaú, assim também como os gastos e demais doações que não foram em dinheiro, todas referentes ao mês de abril. Na aba "Anexos" encontram-se os comprovantes de depósitos e da compra realizada.
https://docs.google.com/spreadsheets/d/1yFYcHkxK-s_0cEZj34iil79cyMV02OmCHwyfPpge1Is/edit?usp=sharing.
⠀⠀⠀O CALCS pretende continuar ajudando nas demandas dos(as) estudantes de Ciências Sociais com novas ações enquanto esse período de ocasionalidade permanecer. Seguimos firmes e juntos!
Leia o QR code e acesse o último balanço financeiro do CALCS:
⠀⠀⠀Você pode visualizar todo balanço financeiro da gestão clicando aqui.

Coluna Estudantil
Esse espaço está reservado para textos, fotos, charges e outros meios que comuniquem a opinião estudantil.
Sangue morro abaixo: A realidade violenta nas periferias de Florianópolis
⠀⠀⠀Florianópolis é uma cidade extremamente desigual. Enquanto carros de luxo circulam nas ruas, centenas de milhares de pessoas não têm sequer uma casa para morar. O buraco é ainda mais embaixo quando o assunto é a segurança pública, pois chega a parecer que existem duas polícias na cidade: uma para os bairros de luxo e outra para as periferias.
⠀⠀⠀Só na Grande Florianópolis existem mais de 60 favelas, sintomas da falta de planejamento urbano e de políticas de habitação popular numa cidade tão elitizada. Em uma delas, o Morro do Mocotó, três jovens foram assassinados só nas últimas duas semanas. O mais velho tinha 23 anos de idade e o mais novo, uma criança de 15. Segundo relatos, as operações são marcadas por torturas, espancamentos, execuções sumárias, omissão e impedimento de socorro. Após as mortes, a comunidade desceu ao centro em protesto, ocupando avenidas com cartazes, faixas e balões. Depois do ato a comunidade relata ter sido vítima de represálias incluindo perseguição, intimidação e invasão de residências.

Foto: Reprodução/Jornal A Verdade.
⠀⠀⠀Alguém pode se perguntar: Quando foi assinado o decreto de estado de exceção nas periferias? A resposta é um silêncio regado à hipocrisia (e muito dinheiro). A lógica do “Bandido bom é bandido morto” impera. A nível federal, a defesa de Bolsonaro e Moro à implementação do excludente de ilicitude amplia ainda mais certeza da impunidade aos abusos. Assim, não é possível analisar esse cenário sem considerar uma visão mais ampliada da coisa.
⠀⠀⠀O mercado de drogas movimenta mundialmente bilhões de dólares por ano, não apenas em sua cadeia de produção, mas também na farsa de seu combate. No Brasil, os encarcerados por tráfico de drogas são grande maioria no sistema penal, e a guerra às drogas movimenta todo o sistema de segurança pública. Os alvos, em sua maioria, não são os grandes chefões do tráfico, e sim homens, jovens, negros e pobres, do mais baixo nível hierárquico do crime. Para o racista capitalismo brasileiro, isso tem uma serventia enorme. Identificar a contradição de morte na política de guerra às drogas não significa, de forma alguma, fazer uma defesa do tráfico. Significa enxergar sua completa ineficácia, além da função social e política que cumpre girando a roda sangrenta do capitalismo.
⠀⠀⠀Essa "anti-política pública" já fez mais de 9 vítimas no Morro do Mocotó só este ano, segundo familiares. A violência não distingue inocentes e utiliza uma intensa campanha de difamação para justificar os assassinatos. Sendo assim, as pessoas têm que lidar ao mesmo tempo com duas situações letais: a pandemia da Covid-19 sem as condições sanitárias básicas e a presença de uma polícia que mais agride do que protege. A crise que vivemos dificulta o acionamento de órgãos públicos, reduz a presença de entidades de referência para comunidade e torna mais difícil a denúncia e a visibilidade que poderia constranger o poder público a agir em defesa da comunidade. Outra consequência grave da crise é a dificuldade de agregar apoiadores às lutas dos moradores, que já são invisibilizadas.
⠀⠀⠀O foco dos debates tende a ser a situação política, a pandemia e a crise econômica. No entanto, é urgente pensar políticas públicas e soluções coletivas para que a classe trabalhadora brasileira tenha garantido tanto seu sustento, quanto seu direito fundamental à vida. Isso inclui o combate à pandemia e o enfrentamento contínuo ao racismo genocida que violenta as periferias. É fundamental o máximo de fortalecimento à luta dos moradores do Morro do Mocotó e de todas as populações marginalizadas desassistidas no Brasil, a solidariedade é e deve ser o elo unificador das lutas em nossa cidade, estado e país!
Angella Monteiro & Matheus Menezes
4ª e 6ª fase de Ciências Sociais.
Gigi Goode: Frozen Eleganza
Distante da Capital, Mais Próximo do Interior
Por mais que se procure,
não ha mal que o amor não cure,
e quando a falta dele bater,
para onde você vai correr?
Por mais que se procure,
nas memórias de um café no bule,
os vazios que não se preenche,
tornam-se saudade na sua mente.
Por mais que se procure,
nos elos que a vida une,
ao singular se deve plantar,
alegrias para se morar.
Por mais que se procure,
algo que te segure,
não ha segurança,
quando se perde a chance da mudança.
Por mais que se procure,
no amor que a gente nutre,
é pra dentro que se vê,
o que o alheio não consegue entender.

Poemas de Fim de Tarde
09/05/2020.
Imagem por: @inquietar,
3ª fase de Ciências Sociais
3

Crise e quarentena: tempo para desativar a bomba-relógio
⠀⠀⠀Pergunto-me como pode ser que esta pausa, em que a Terra inteira respira, acalma e se regenera, seja, para a sociedade humana, um tombo brutal de insegurança e pobreza. Isso, creio, aponta que nosso sistema socioeconômico 1) é uma patologia, um vírus no ecossistema, ou um câncer, que não pode parar de crescer — com seu desenvolvimento, destrói o que encontra; quando se detém, morre; e 2) é artificial, perfeitamente antinatural, portanto passível de transformação. Por que nos provoca assombro e dano a suspensão de uma economia doente, destrutiva, competitiva e desigual? Poderíamos sentir-nos libertos, aptos a sair da gaiola.
⠀⠀⠀A situação do planeta é crítica (e o contexto social, não menos). Urgências prestes a se incendiarem, irreversivelmente. De repente, uma força fez com que tudo parasse, quase como nos oferecendo uma última chance, um ultimato, oportunidade de desviar o rumo antes da catástrofe. "Olhem bem, olhem em que mundo estão vivendo, vejam a direção em que estão indo; parem seu business-as-usual por um instante para enxergar: aqui está a borda, olhem a profundidade do precipício", o pé já escorregando.
⠀⠀⠀Cegos, surdos, desejamos retornar à normalidade. À rotina de uma vida contrária à vida. Despencar.
⠀⠀⠀Enquanto a preocupação geral se volta à recessão por vir, penso que o que devemos fazer, de fato e com urgência, é debandar do sistema.
⠀⠀⠀A ideia de crise econômica é enganosa, e nos mantém servis através do medo. No mundo, sem austeridade, a terra continua; abunda, com ou sem crise econômica, igual qualidade e quantidade de alimentos, de água, de ar. A crise é um modo de governo, como diz o Comitê Invisível. "Para os neoliberais o discurso da crise é um duplo discurso — eles preferem falar, entre si, de ‘dupla verdade’. Por um lado, a crise é o momento vivificante da ‘destruição criadora’, criadora de oportunidades, de inovação, de empreendedores, em que só os melhores, os mais motivados, os mais competitivos sobreviverão. (…) Por outro lado, o discurso da crise intervém como método político de gestão das populações". Quer dizer, o discurso da crise fictícia evita a crise efetiva; a crise econômica, obra de manobra da elite, apazígua e esconde a crise verdadeira, germe da revolução. Eles cultivam nossa falta de autoestima.
⠀⠀⠀Não há escassez: é a organização social deliberadamente injusta, onde uma distribuição propositadamente desigual faz com que a maioria sofra de condições escassas, enquanto o topo da pirâmide fica intocável. Na dita crise, a maioria é penalizada com escassez mais severa, para que, com isso, a "economia" retome seu "equilíbrio". Ficção; há, hoje, na Terra, suficiente produção de alimentos para toda a população mundial (não fosse o desperdício de um terço deles, e a agravante do escoamento que leva grãos à criação de gado). O mesmo para água, moradia, vestimenta, e arte: há em abundância. O que falta é a reestruturação total da sociedade, reorganização do trabalho e da distribuição, redirecionamento de fluxos. A crise econômica é um mito operante.
⠀⠀⠀Não: não podemos desejar a ordem de volta. Seria, na encruzilhada, optar pelo suicídio. Retomar o envio de bananas embaladas em plástico dentro de aviões, os poluentes cruzeiros de turistas milionários, o consumo insaciável nos shopping centers, a migração forçada de animais selvagens: não. Não podemos reativar os ciclos convencionais de exploração e de destruição — muito menos desejá-lo, vítimas do discurso oficial — como a solução para a escassez cujo fantasma aumenta a cada dia a sombra que projeta sobre nós. A crise econômica mascara e desvia o olhar da crise realmente importante: a catástrofe ecológica já em andamento e a progressiva criação de um mundo hostil à vida, em que humanos e muitas outras espécies viverão com dificuldade e tenderão a definhar.
⠀⠀⠀Bruno Latour, filósofo, atenta: "Com efeito, a crise sanitária está embutida no que não é uma crise — sempre temporária — mas uma mudança ecológica durável e irreversível. Se temos boa chance de ‘sair’ da primeira, não temos nenhuma de ‘sair’ da segunda. (…) Seria uma pena não nos servirmos da crise sanitária para descobrir outros meios de entrar na mudança ecológica que não às cegas".
⠀⠀⠀Não podemos desejar a ordem de volta, quando é justo a ocasião de abandoná-la. Devemos, no mínimo, examiná-la, observá-la com lucidez, observar e examinar a nós mesmas/os, e agir para provocar todas as interrupções e transformações possíveis.
Quais serão nossas incumbências históricas? Algumas delas:
⠀⠀⠀Na vida imediata: 1) construir e fortalecer redes de produção de alimentos agroecológicos locais (deixando de sustentar a produção massiva e industrial e o transporte via combustíveis fósseis, apoiando a economia da comunidade em vez de corporações multinacionais, reduzindo o risco de disseminação de doenças, descobrindo os sabores locais e como se integram naturalmente às nossas necessidades); 2) reduzir o consumo de carne proveniente de fazendas industriais (atenuando os danos sociais e ecológicos causados por essa indústria; evitando, novamente, o surgimento de doenças, e diminuindo as doses de tortura e crueldade que a humanidade brinda ao mundo); 3) repensar e diminuir o consumo de modo geral, evitando o excesso de embalagens, conhecendo e comprando da economia local e artesanal, utilizando eletrônicos e eletrodomésticos durante toda sua vida útil, adquirindo roupas usadas em vez de novas etc. A redução do consumo implica a redução, a um tempo, da demanda de produção e da geração de lixo; 4) tornar-se mais ecológico em todos os possíveis: alimentar-se do que

Autoria da imagem por: Vanessa Cargnin.
vem da natureza (não de máquinas), compostar resíduos orgânicos (basta cobri-los com folhas secas ou serragem), substituir produtos industriais por naturais (em vez de desodorante, leite de magnésia; em vez de desinfetante, limão etc.); não comprar produtos testados em animais (a grande maioria dos shampoos e condicionadores, por exemplo, são); atentar às medicinas disponíveis no jardim; dispor-se a se informar e a se engajar nessa transição, que implica romper a inércia e mudar hábitos. Terra e corpo são extensões recíprocas: cuidar de si é cuidar do mundo e cuidar do mundo é cuidar de si. De modo geral: reencontrar a lentidão, o cuidado, a vizinhança, o presente enraizado; regenerar os laços, zelar pelas relações.
⠀⠀⠀No âmbito do governo, cumpre adotar políticas de proteção social, de redistribuição da riqueza através de limites máximos de rendimento, renda básica, tributação justa, e uma reforma agrária; garantir serviços públicos eficientes de saúde, habitação, educação, justiça; estimular e subsidiar a agricultura orgânica e a economia local; limitar a indústria; limitar a publicidade; sujeitar a economia financeira à economia real; direcionar-se ao decrescimento e à implementação de um "Green New Deal".
⠀⠀⠀Essas alternativas estruturais, para se enraizarem e sobreviverem, necessitam de valores e práticas também enraizados; a forma como nos relacionamos entre humanos e entre todos os seres é o fundamento e o espelho das estruturas maiores. A dimensão pessoal é, portanto, essencial para apoiar, através da mudança cultural, estas mudanças estruturais, e histórias de sucesso das comunidades locais são cruciais para a transição.
⠀⠀⠀Mudar antes de cair no abismo. Ou seja, hoje.
⠀⠀⠀Não voltar ao (a)normal.
- -
P.S.:
Bruno Latour propõe um exercício composto de seis perguntas para fazer a si mesma/o. "Trata-se de fazer uma lista atividades de que nos sentimos privadas/os pela crise atual, fazendo sentir como se tivéssemos sido feridos em nossas condições essenciais para a subsistência. Para cada actividade, pode indicar se gostaria de retomá-las identicamente (como antes), de modo melhorado, ou não retomar de todo."
Para detalhar as ideias, as perguntas são:
Pergunta 1: Quais são as actividades agora suspensas que você gostaria que não recomeçassem?
Pergunta 2: Descreva a) a razão pela qual considera esta atividade prejudicial/superada/perigosa/incoerente; b) como é que seu desaparecimento/adormecimento/substituição permitiria outras atividades que te favoreçam de forma mais fácil/mais coerente? (Criar um parágrafo separado para cada uma das respostas indicadas na pergunta 1).
Pergunta 3: Que medidas você recomenda para garantir que xs trabalhadorxs/empregadxs/agentes/contratantes, que não poderão continuar nas atividades que você eliminou, vejam facilitada a transição para outras atividades?
Pergunta 4: Quais das atividades agora suspensas você gostaria que se desenvolvessem/retomassem, ou quais devem ser inventadas em substituição?
Pergunta 5: Descreva a) a razão pela qual esta atividade lhe parece positiva; b) como ela torna mais fácil/harmônico/coerente o desenvolvimento de outras atividades desejáveis; e c) ajude a combater as actividades que você julga desfavoráveis? (Fazer um parágrafo separado para cada uma das respostas indicadas na pergunta 4).
Pergunta 6: Que medidas recomenda para ajudar xs trabalhadorxs/empregadxs/agentes/empresárixs a adquirirem as capacidades/meios/receitas/instrumentos para retomar/desenvolver/criar esta actividade?
Graduanda e Mestre em Sociologia Política.
⠀⠀⠀
Esse e demais textos podem ser acessados através da página: https://medium.com/@noacykman/.
Comissão – Comunicalcs:
Editorial: Cristiano Kerber & Nathálya Rodrigues
Diagramação e Revisão: Eduardo Grotmann
& Pietra Fonseca

Notícias: Victória Zanoni
Para mais informações, acompanhe nossas redes sociais:
@calcsufsc
@CalcsUfsc
ou através do e-mail: contatocalcs@gmail.com
4