
COMUNICALCS
A VOZ ATIVA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS – UFSC

7ª EDIÇÃO
O Jornal Estudantil do Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais | UFSC
AGOSTO/2020
COMUNICALCS
A voz ativa das Ciências Sociais

Editorial
Firmeza total mais um ano se passando aí morô, muita coletividade no CA!
⠀⠀⠀Agosto de 2019 foi um mês pesado. Nesse mesmo mês se iniciou o processo eleitoral do CALCS, dentro da disputa, nossa chapa tinha alguns princípios gerais, queríamos que o Centro Acadêmico mobilizasse mais os estudantes através de atividades políticas, que fizesse mais eventos, formações e momentos de integração com o curso. E, como ninguém é de ferro, que organizasse boas festas! O nome disso tudo? Liberdade é não ter Medo! Nos dias 2 e 3 de setembro fomos eleitos.
⠀⠀⠀Pense você o ânimo da juventude depois das eleições, vontade de trabalhar "tava a milhão", mas nem tudo são flores no mundo da educação pública BR. O clima era de grande mobilização contra os cortes de orçamento que a universidade vinha sofrendo, e dado a gravidade do momento, logo os estudantes tomaram sua posição: greve! Criamos um comitê no curso, e durante 5 semanas, realizamos diversas atividades de formação e atuação política (como as rodas de conversas com professores e convidados, panfletagens pela região da UFSC e centro da cidade, atividades integradas com outros centros e o impedimento de aulas).
⠀⠀⠀E mais, organizamos alguns momentos de cinedebate, abordando temas como a vida e a luta da população LGBTQ+, movimento estudantil na ditadura militar, higienização da cidade e segurança pública. Realizar todas essas atividades foi realmente "mó trampo", mas muito contribuiu pra gente se aproximar como estudantes, e que o centro acadêmico assumisse papel central na defesa de nossos direitos. Após a greve, muito trabalho pra acertar condições mínimas de retorno às turmas do curso, ainda "metemo" um dia de esportes e gincana no fim de novembro, e antes do final do semestre, pra lavar a alma "de geral", fechamos o DCE num Happy Hour em parceria com a Psicologia, com direito à roda de samba ao vivo e um baile funk de respeito. (Estudante de Sociais não vive só de fichamento não, meu filho!).
⠀⠀⠀Ainda durante a greve, lançamos a primeira edição do ComuniCalcs, um jornal estudantil para as ciências sociais. O projeto surgiu ainda na campanha e tinha como objetivo melhorar a comunicação CA-Curso, num espaço aberto para divulgação de textos e artes. Num primeiro momento, devido aos poucos recursos que tínhamos, fizemos sua venda a 1 real. Com o passar das edições, e do sucesso das vendas, lançamos edições gratuitas, abertas à contribuição voluntária de colegas e professores. Com isso, o jornal conseguiu ser veiculado de maneira impressa, e mais ainda, organizado num caixa separado pode se manter sem auxílio do caixa do CALCS. "Quem acredita sempre alcança" "nenão"?! Hoje já estamos na 7ª Edição. Mesmo durante a pandemia estamos seguindo com as publicações, que agora estão acontecendo de maneira virtual, juntamente com a divulgação nas nossas redes sociais.
⠀⠀⠀No começo de 2020 fizemos um baita planejamento de atividades para o semestre, após 3 dias de calourada, uma festa de recepção dos calouros que, modéstia à parte, deixou saudades! Longe do clima de festa, as coisas já se desenhavam para muita luta, os novos cortes orçamentários, agora feitos na "raiz" do financiamento das universidades, e os ataques às reitorias, por exemplo, começavam por sufocar a UFSC ainda em março (ver edições anteriores). Paralisações e assembleias haviam sido convocadas, inclusive na Sociais, mas elas nunca aconteceram.
⠀⠀⠀A chegada da Covid-19 em Florianópolis foi motivo suficiente para suspensão das atividades presenciais de toda UFSC. Nesse momento tão confuso e instável para todos, focamos nossa atenção em garantir as condições de permanência estudantil de nossos colegas. A primeira das medidas foi uma campanha de solidariedade, muito bem sucedida, que contribuiu para garantir a segurança alimentar de diversas pessoas do nosso curso. As rodadas de doações que fizemos envolveram todo o CA, desde o contato com os colegas, a sistematização das demandas, arrecadação de recursos, compra, higienização, distribuição, tudo foi feito em coletivo, envolvendo colegas de fora do CA, pessoas essas importantíssimas para o sucesso da campanha. Talvez esse tenha sido um dos momentos mais potentes de toda nossa Gestão.
⠀⠀⠀Depois de "anos" sem uma resposta efetiva e responsável da Administração Central acerca do retorno das atividades da universidade, finalmente, a bomba. Num processo cheio de vícios, atropelamentos, barragem dos estudantes, perguntas mal feitas, contatos não realizados e uma falta de percepção sobre o tamanho da desigualdade dentro da universidade, chegamos até aqui. Caímos pra dentro de todas as discussões que nos cabiam, analisamos todos os cenários possíveis, discutimos relatórios, produzimos outros. Criamos atividades para discutir com o curso e, ainda hoje, discutimos o ponto, seus acertos, problemáticas e lacunas que demandam atenção da entidade.
⠀⠀⠀No geral "família", é isso! Esse um ano de trabalho passou bem longe do que esperávamos aquela época. Os desafios se mostraram mais complexos, as conversas mais demoradas, as tarefas pediram mais braços, o CA exigiu mais atenção. Na medida das nossas possibilidades, demos tudo de nós! Nas avaliações que fazemos ainda hoje, porém, temos uma certeza: não faltou comprometimento! Convencemos parte do curso a confiar em nosso projeto, trabalhamos nesse sentido todos os dias, para hoje, um ano depois daquela corajosa formação de chapa poder ter a certeza: realmente, liberdade é não ter medo!
¡Hasta lá Victória, crias!
Agosto de 2020.
Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais – UFSC.
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NOTÍCIAS
Fique por dentro das notícias do CALCS!
Ensino Remoto na UFSC: E agora?
⠀⠀⠀No dia 10 de julho de 2020, o CALCS promoveu um debate sobre o ensino remoto na UFSC, às vésperas do início do Conselho Universitário que o aprovou. A atividade foi bastante positiva, pois, permitiu que os estudantes presentes dessem suas opiniões sobre o ensino remoto e a atuação do movimento estudantil neste contexto. Além disso, conseguimos compartilhar de alguns questionamentos dos presentes sobre o processo de discussão política sobre o ensino remoto que ocorreu na UFSC, trazendo também alguns esclarecimentos à respeito. A ata da reunião está publicada em: https://drive.google.com/file/d/1puaux42Nz5-Ap6jow9RZRivVd7ufwcb9/
Racismo à brasileira, com a Profª. Drª. Flavia Medeiros
⠀⠀⠀No dia 07 de agosto de 2020, se concretizou a atividade de formação “Racismo à brasileira: política de drogas, segurança pública e necropoder”, que teve como convidada a Professora Flavia Medeiros, docente do Depto de Antropologia na UFSC e pesquisadora do INCT-INEAC. A estrutura da formação teve como introdução uma fala do mediador, trazendo elementos do debate realizado anteriormente, em uma live, no mês de junho. Após isso, a Professora deu uma verdadeira aula sobre estes temas, dialogando com importantes referenciais teóricos, a partir de algumas experiências como pesquisadora. O debate realizado através dos questionamentos dos estudantes presentes agregou muito à qualidade do espaço, no qual tocamos em assuntos como o proibicionismo, a violência policial, o punitivismo penal, e os vários mecanismos de dominação pautados na raça que se desenvolvem no Brasil. Com a autorização da Flavia, realizamos a gravação de sua fala, que está disponível em nosso perfil no YouTube.
CALCS lança documento sobre o Ensino Remoto
⠀⠀⠀No início do mês, após a discussão com os professores de Ciências Sociais, membros do Centro Acadêmico construíram um documento chamado “Ensino Remoto: e agora?” trazendo o histórico da aprovação do ensino remoto na UFSC, as diferenças entre esta modalidade e o EAD, bem como a luta do movimento estudantil em oposição às aulas virtuais sem a garantia de permanência e infraestrutura tecnológica para os estudantes.
⠀⠀⠀Neste documento, estão descritas também as reivindicações estudantis que foram aprovadas, e que podem ajudar aos estudantes a passarem por este momento com menos prejuízos possíveis. O documento encontra-se neste link: https://drive.google.com/file/d/1AFrdTJ-8GWJpUCg7A3yZEGl_lEj40Opj/
Reunião com docentes sobre o Ensino Remoto
⠀⠀⠀No dia 2 de agosto de 2020, o Centro Acadêmico Livre de Ciências Sociais reuniu-se com docentes para debater o retorno das atividades pedagógicas no curso, e apresentar as reivindicações que vêm sendo construídas pelo movimento estudantil da UFSC e das Ciências Sociais, inclusive algumas que não haviam sido aprovadas pelo Conselho Universitário, que legou a responsabilidade aos colegiados e departamentos. Estiveram presentes a coordenação de curso, Leticia Cesarino e Rodrigo Bordignon, e os chefes do departamento de sociologia política e de antropologia, Jacques Mick e Scott Head, respectivamente. A reunião teve a duração de duas horas e passou ponto-a-ponto sobre as questões que haviam sido levadas pelos representantes do CALCS na atividade. A maioria das propostas foram acatadas e adaptadas para a realidade do nosso curso, e foram votadas posteriormente no Colegiado, onde tivemos alguns avanços. A partir do resultado da reunião, estabeleceu-se um conjunto de recomendações aos docentes, para que adequem seus planos de ensino às demandas apresentadas, bem como fortaleceu-se o diálogo entre entidade e corpo docente, que desde o início da pandemia vêm se aproximando por meio da campanha de solidariedade e dos debates e atividades compartilhadas.
Reunião com calouros sobre o Ensino Remoto
⠀⠀⠀Nos últimos meses, os estudantes calouros participaram de algumas das atividades do CALCS ou reuniões, trazendo dúvidas com relação a implementação do ensino remoto. A partir desta demanda, e entendendo que embora esta forma de ensino seja uma novidade para todos nós, é mais ainda aos que ingressaram agora, chamamos uma reunião entre entidade, estudantes do 2020.1 e 2020.2 e a coordenadora de curso, Letícia Cesarino. A reunião, ocorrida no dia 17 de agosto de 2020, teve um papel importante para dirimir algumas incertezas com relação ao semestre excepcional e seu funcionamento no curso para os estudantes, além de ter-se estabelecido ainda mais um diálogo aberto entre o CALCS e as novas turmas.
Leia o QR code e acesse o último balanço financeiro do CALCS:
Você também pode visualizar todo balanço financeiro da gestão clicando aqui.
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Coluna Estudantil
Esse espaço está reservado para textos, fotos, charges e outros meios que comuniquem a opinião estudantil.
A DESIGUALDADE NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:
A POPULAÇÃO NEGRA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS COMO DIREITO À DIFERENÇA
João Vinicius Bobek
Licenciado em História , especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e mestre em Educação. Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas da Educação de Jovens e Adultos da UFSC – (EPEJA) e é membro do Fórum Estadual de EJA de Santa Catarina

⠀⠀⠀Direitos, diferenças e o uso da branquitude como arma de distinção de classes sociais têm sido amplamente utilizadas pela burguesia baixo clero tupiniquim, amplamente sendo evidenciada e noticiada , de forma mais clara desde o Golpe de 2016. Nesse sentido, não são poucos os casos e descasos noticiados de racismo estrutural evidenciando a verdadeira face do Brasil da extrema direita: feio, sujo, perebento e preconceituoso. Na esfera educacional, o atraso e a dualidade de cor e de classe social não é novidade, pois a alegoria do nosso atraso ético, estético, civilizatório é discutido por Jerry Dávila na obra “Diploma de Brancura”, que denuncia práticas educacionais que começavam a serem implantadas no início do século XX, como desiguais e duais, pois se por um lado criavam novos recursos e novas oportunidades direcionadas às pessoas de cor historicamente excluídas da sociedade, por outros participantes da educação pública foram tratados de maneira desigual, uma vez que os alunos pobres e de cor foram taxados e marginalizados como doentes, mal adaptados e problemáticos.
⠀⠀⠀Desse modo, educadores e industriais progressistas, a burguesia de classe média que legitima a meritocracia, tinham muito em comum de comungar em uma educação utilitarista e unilateral, pois ambas as categorias acreditavam em uma visão de Brasil moderno que seria criado pelo uso e aplicação de paradigmas racionais e científicos à organização da sociedade daquele período. As duas categorias elitizadas acreditavam que essa nova sociedade branca e moderna seria construída por meio de comportamentos reformados das chamadas classes subalternas e/ou populares de cor. Estes foram taxados e marginalizados como doentes, mal adaptados e problemáticos. Portanto, fica notório que no período do Brasil pautado pela “ordem e progresso”, a educação pública foi sendo usada como “slogan” para fornecer recursos históricos para ser usada como ferramenta de trabalho para o Estado poder usar de artifícios legais para implantar padrões de desigualdades sociais e raciais no Brasil.
⠀⠀⠀Assim, também a educação sendo usada como uma grande fonte para um tipo diferente de leitura de mundo que exemplifica alguns aspectos importantes e sagazes da relação entre raça e Nação mostrando suas várias facetas racistas como a degeneração , a elasticidade e em especial sua ambiguidade perante a população de não negros e pobres e, assim criando uma justificativa plausível em que explica até a atualidade que o Brasil não é um país racista e aceita de forma “confortável” todas as etnias e culturas desde a sua colonização.
⠀⠀⠀Nesse contexto, com a criação Lei 10639/03 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da presença da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Africana", vem como certa resposta às demandas do Movimento Negro, de intelectuais e de outros tantos movimentos sociais, que se mantêm atentos à luta pela superação do racismo na sociedade e na educação escolar, especificamente. Nesse âmbito, a referida lei, no contexto das políticas públicas, pode ser entendida como uma medida de ação afirmativa, juntamente com o Movimento Negro que ao pleiteá-la, investe estrategicamente na ampliação do presente, juntando, ao real, as possibilidades e as expectativas futuras de superação do racismo e do mito da democracia racial, tão presente nas instituições de ensino e na educação brasileira.
⠀⠀⠀Portanto, contemporaneamente, os espaços políticos dos movimentos sociais são produtores de uma epistemologia tão legítima quanto a que é considerada hegemônica pela educação e pela teoria social. Permite também pensar que esses sujeitos, na maioria das vezes, são marcados pela condição de trabalhadores, o que impulsiona o desenvolvimento de reflexões teóricas acerca dos desafios para a constituição de um currículo conexo e emancipador, tendo o trabalho como princípio educativo e a formação multidimensional desses sujeitos, promovendo uma formação crítica, reflexiva, contribuindo para emancipação social.
⠀⠀⠀Salientando a importância sobre a escolarização de jovens e adultos negros, revela-se uma profunda desigualdade nas trajetórias de negros e brancos no Brasil. Portanto, estudar e analisar a relação entre jovens negros e a EJA implica em considerar alguns dos desafios que a EJA tem para lidar atualmente, isto é, um universo distinto no que diz respeito às especificidades socioeconômicas dos seus educandos e educandas, à questão geracional, ao pertencimento étnico-racial, às vivências culturais e às perspectivas de seus alunos em relação à instituição escolar.
⠀⠀⠀Por meio do movimento de reconhecimento e afirmação da identidade cultural, negros e brancos podem articular elementos importantes para refletirem sobre as especificidades e a constituição do sujeito social em sua diversidade. É preciso que se discutam e procurem elaborar, coletivamente, as estratégias acadêmico-científicas de integração, construção e mapeamento de currículos na EJA, tanto os processos de ensino-aprendizagem, como de elaboração curricular como objeto de reflexão e de sistematização do conhecimento no âmbito das disciplinas básicas e do desenvolvimento de projetos que articulem o geral e o específico, a teoria e a prática dos conteúdos, inclusive com o aproveitamento das lições que os ambientes externos podem proporcionar.
⠀⠀⠀Por último, destaca-se as implicações da vivência da situação juvenil negra na EJA, que dizem respeito a situações específicas enfrentadas no seu cotidiano, nas suas trajetórias e experiências de vida. Essas situações são norteadas por algumas características entre as quais podem se destacar: a condição socioeconômica, os preconceitos sociais e raciais e as mais diversas situações limitantes que o jovem negro, morador de periferia dos grandes centros urbanos vivência no seu cotidiano. Assim, constata-se que as pesquisas sobre a juventude e o trabalho apontam que a busca pelo primeiro emprego e a entrada no trabalho constituem, as principais preocupações da população de jovens no Brasil. A exigência da escolaridade como um dos requisitos básicos para inserção no mundo de trabalho é o que motiva a grande parte dos jovens a retornarem à escolarização na EJA.
Referências:
DÁVILA, Jerry. Diploma de brancura: política social e racial no Brasil 1917-1945. São Paulo: Editora da UNESP, 2006.
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O filho do peão, o boi da cara preta e a ansiedade
Naomi Neri
Atriz, bióloga, pedagoga e estudante de Ciências Sociais.

⠀⠀⠀Fui conhecer a Festa de Peão de Barretos. Não me julgue, eu não queria ir. E mesmo se quisesse, eu não poderia ser julgada pois quem tem passado, tem história. E, essa história em específico, eu a trouxe para minha estréia de colunista no COMUNICALS. Hoje compartilharei com você como o filho do peão, o boi da cara preta e a ansiedade se relacionam nos dias de hoje.
⠀⠀⠀Para quem não conhece, a Festa de Peão de Barretos é um dos principais eventos da cultura country do país. Entre outras, a atração principal é a montaria em touros. Somado a isso, há também uma ação beneficente que direciona parte do dinheiro arrecadado para o Hospital de Câncer de Barretos.
⠀⠀⠀Naquele ano, a festa foi favorecida por uma novela global que tinha como um dos núcleos principais os rodeios. “América” contava o tórrido romance entre o peão Tião Higino (Murilo Benício) e Sol (Deborah Secco), além das sofríveis tentativas desta de emigrar para os Estados Unidos da “América”. Dito isso, a trama televisiva também trouxe como co-protagonista certa figura dantesca que vinha ganhando o fascínio nacional: O boi Bandido.
⠀⠀⠀No imaginário popular, o boi era uma fábula viva sobre uma criatura vândala temida por cowboys e criancinhas. Irascível. Indomável. Colérico. Cheio de vontades e desejos insubordinados. Um déspota, que desafia autoridade do homem sobre o animal. Até então, ninguém havia conseguido permanecer oito segundos montado no Bandido que, não por um acaso, era a grande atração da festa.
⠀⠀⠀Na noite quente de rodeio em que fui ver a montaria, todos tinham lugar no show. Cowboys na arena e platéia nas arquibancadas. O locutor do rodeio entra animado, deixando o público alvoroçado pelo que estava por vir.
⠀⠀⠀Se tratava do antagonista da nossa história: O cowboy. O narrador da festa anunciou que aquele corajoso homem iria enfrentar a besta tétrica em prol do Hospital do Câncer. Seria ele quem iria dominar o terrível boi Bandido e desmascarar a lenda? A platéia se comoveu com o exemplo do herói de chapéu, fivela e bota que trazia consigo a presença do filho, figura bastante tímida.
⠀⠀⠀Apesar de toda narrativa concentrar olhares para o Hércules das arenas, fiquei curiosa com a imagem do filho. Sua presença naquele cenário era uma incógnita. Mesmo com toda cena miraculosa, aquela figura estava atônita. Ele dividia suas emoções entre o que o narrador que contava sobre seu pai, o medo do touro mais famoso do Brasil e a preocupação em prol das doações para hospital do câncer.
⠀⠀⠀Cativo de qualquer vontade, cabia ao filho repetir qualquer emoção que fosse proposta a sua volta. E nisso, o locutor rezava. E o cowboy rezava e rezava também filho do cowboy. Para coroar a noite, e trazer comoção a todos, a Nossa Senhora Aparecida faz sua entrada suportada no ombro dos romeiros, e a imagem circula pela arena para abençoar a todos. Discretamente, se distribuem as cestas para arrecadação de fundos para o hospital.
⠀⠀⠀Foi então que houve um grito na arena. Nesse momento, uma nova figura invadia o palco. Era uma mulher fazendo uma dolorosa e desesperada corrida em direção a cena principal. Era a esposa do cowboy, que saiu da platéia e caiu chorando nos braços do marido frente a milhares de espectadores. Aquela cena foi tão sensível levou às lágrimas também o jovem filho que assim como eu, não entendia mais nada. Seria medo do boi? Temia ela pela segurança do amado?
⠀⠀⠀Para piorar o cenário pitoresco, o locutor oferece um único e breve momento de protagonismo para que o adolescente desnorteado pudesse proferir algumas palavras no microfone. O rapaz, em prantos, não pôde oferecer mais do que soluços nervosos ao público, seguido de constrangimento e a retirada com mãe praticamente carregada da arena.
⠀⠀⠀Todos se afastaram, dadas as bênçãos e despedidas, o corajoso cowboy se dirigiu ao brete para montar a fera. Após muita ansiedade e apreensão, soltaram o touro e deu se início a odisséia de 8 segundos. O animal era homérico, chifres colossais e caracterizado de uma bestialidade atroz que o somente os rodeios sabem conferir aos touros. Naquele momento épico, era como se o boi tivesse saído de uma canção infantil. Boi, Boi, Boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de… Cara preta? Como assim esse boi tem a cara preta? O boi Bandido tem cara branca!
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Fonte: YouTube.
⠀⠀⠀O herói que não montava há anos também não ficou os oito segundos. Um estouro, de tão rápido. A platéia aplaudiu confusa, mas as doações para o hospital já estavam feitas e o boi da cara preta retornava bovino aos seus aposentos. Na hora, eu não entendi, mas no outro dia fui saber mais sobre os bastidores daquele circo todo.
⠀⠀⠀A história foi a seguinte: Em nenhum momento foi dito, explicitamente, que quem seria montado era o touro Bandido. Inclusive, o cowboy também não precisava permanecer todos os oito segundos para que as doações fossem feitas. Quanto a sua chorosa esposa, o que aconteceu foi que a mulher em sua corrida torceu o pé e por isso gritou de dor, chorou no colo do marido e saiu carregada pelo filho. O papel do locutor era deixar o público assanhado mesmo. Já o boi da cara preta só tinha de mau a mas soube ele era bem bonzinho e viveu o resto dos seus dias tranquilo e pastando.
⠀⠀⠀Mas e o filho do cowboy? Ah, este estava paralisado por não saber como agir, então só reproduzia o sentimento que se esperava dele e, em seu breve momento de fala, chorou de ansiedade com centenas de pessoas assistindo. E assim atua ela: A Ansiedade.
⠀⠀⠀A sensação de possuir qualquer responsabilidade e controle da situação, ligava o menino a possível morte do pai, o medo de um touro bravo e a responsabilidade da arrecadação de dinheiro para um hospital. Obviamente, uma situação que estava para além do seu controle. Essa sensação, dá entender que as coisas são piores do realmente são, e que caberá a você resolver uma situação problemática que, nem você mesmo , consegue explicar exatamente qual é.
⠀⠀⠀A ansiedade que tem seu papel biológico de nos deixar alerta mas também é um mal quando orienta as nossas ações cotidianas. Para lidar com ela, é necessário reconhecer que muitas vezes estamos aflitas em uma situação que não nos apresenta perigo. Em uma crise, admita para você mesmo que está lidando com uma situação ansiosa e ao invés de negá-la, e procure entender o motivo. Eu, por exemplo, escrevendo esse texto tive um quadro de ansiedade.
⠀⠀⠀E quando isso acontece, eu reconheço que estou em uma crise e então procuro formas de lidar com ela. Preparo um chá e vou bebendo devagarzinho, prestando atenção no seu gosto e cheiro. Enquanto isso, respiro umas dez vezes, contando em voz alta, e me lembro de inspirar e expirar profundamente. É então que eu me sento e, com caneta e papel, descrevo detalhadamente o ambiente a minha volta listando quantos itens achar necessários até me acalmar. Isso me ajuda. E assim, quando já me sinto menos ansiosa, tomo um banho quente e me dou conta que a crise já passou.
⠀⠀⠀É necessário lembrar que ansiedade é uma questão de saúde psíquica e que, no meu caso, compartilhei aqui medidas que funcionam para mim. Porém, muitas pessoas fazem uso de medicação para lidar com a questão e tem suas vidas profundamente afetadas pela ansiedade. Se você se reconhece em um quadro semelhante, saiba que não está sozinha. Procure uma psicóloga que te ajude a entender o porquê e encontrar formas de lidar com essa situação. Afinal, o autocuidado e atenção com o nosso corpo é um processo contínuo e constante, diferente de uma montaria que dura apenas oito segundos.
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Raynara Candisse Esmeraldino
Estudante de graduação em Ciências Sociais (matutino).


Estudante da 2ª fase de Ciências Sociais.
Iael Kurjan
O Mundo Interior
Rupturas
CALCS UFSC
Há um momento em que.
Em que se rende.
Em que se aceita.
Aceita o Si. Aceita a si.
Aceita que não se pode focar no vós.
Há tons que transcendem o próprio corpo.
O próprio vivo.
O próprio morto.
Há momentos de aceitação.
Em abraçar o coração com a razão.
Alinhar o corpo com o céu.
Perceber além do véu.
Aceitar a imperfeição do mundo.
A dor.
O caos.
Aceitar que não depende.
Não depende do si. do mim. do ti.
Depende do nós.
E.para.que.nos.elevemos.
Precisamos ouvir, cada um, paradoxalmente, a nossa voz.
Cada si precisa se afinar para acordar.
Para refazer o acorde.
ACORDE!
Liberte-se da dor que não é tua.
Seja empática, empático, mas não carregue o que não é teu.
Faça sua parte doa a quem doer.
Aceite seu limite.
Teu sim é teu não.
Teu não é teu sim.
Aprenda, levante e aprenda de vez.
Amor Próprio, valorizar teu Si.
Não é egoísmo.
É libertação.
É libertar da dor, da emoção.
É acolher.
Acolheu teu espaço.
Teu lugar-corpo.
Teu lugar no mundo.
Ora insano.
Ora sano.
Ora.
Ore.
Mas não demore.
Medite.
Pratique.
Compartilhe.
Exteriorize tua voz.
Berre.
Se rebele.
Apenas seja.
O decreto é este.
Além de existir, a melodia é viver a si.
Para poder viver o nós.
Um paradoxo da voz.
08.08.20.
Ilha da Magia.
Ação ou efeito de romper-se
Tipo quebradura
Quebra dura
Se até o duro quebra
O mole dura
Término de estados
Interrupção de continuidade
Ressignificação do agora
Com o páro da cidade
Mudanças e transformações
Com o desapego do banal
Fortalecimento das relações
Urgência pelo virtual
Pensar no coletivo
Cuidando as ações
Não cair na ignorância
De que são somente exceções
O mundo suplica
O mundo regenera
E quando cada um faz sua parte
A vibração se eleva
Pensar só em si é um veneno
Disso os arrogantes se servem no copo
Ah se o mundo fosse mais sensato
A contínua morte não bateria no relógio
O que quebra, joga-se no lixo
Dependendo do valor, se cola
Entre pandemias e ignorâncias
Importa muito o valor da escola
Escola inclusiva
Escola social
Onde representatividade reina
O diferente considera-se normal
Em educação muito corte
Desacato com o país
Balbúrdia é deslegitimar a morte
Dizendo em imprensa: “e daí?”
Difícil vai ser
Lá na frente explicar procês
Essa discórdia com a história
No qual a ditadura, tão vexatória
É enaltecida por um que não mais tem vez
Senhor Presidente
O senhor sempre mente
Mas da tua infeliz palmatória
Não deixa mais a nação à mercê
Ordem e Progresso
Pátria amada Brasil
Onde tá sempre cheio o congresso
Mas quanto ao amparo na favela
O projeto é vazio
País do futebol, da caipirinha
Do samba, mó sucesso
Mas pra diminuir a desigualdade
Não se permite muito acesso
A imagem do cruzeiro resplandece
E nem pela cruz há salvação
O povo cansa e ensurdece
E nem mais luz traz a visão
Tanto bate até que fura
E eu não quero ver o país furar
Absurdos de censura
Aos tempos antigos não quero voltar
E eu me vejo em formação
De cientista social
Em uma realidade atual
Em que a postura do Presidente
É a própria transgressão (i)real
Vejo que fiquei longa
É que já passou das dez
E já ando com as mãos
E escrevo com os pés
Mas há de se melhor encontrar
Afinal o remédio está entre nós
O antídoto por chegar
Desenrolando os nós, por mim e por vós
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@CalcsUfsc
ou contate-nos através do e-mail: contatocalcs@gmail.com
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Se o campo não planta, a cidade não janta!
Patrícia Klock
Estudante da 8ª fase de Ciências Sociais.

⠀⠀⠀Enquanto centenas de milhares morrem vítimas da COVID-19, principalmente pelo descaso do atual governo federal, a fome aumenta em todo o país. Os estoques públicos de alimentos estão muito abaixo do necessário. Nos últimos três anos, percebeu-se a destruição de políticas públicas para a agricultura camponesa e familiar, com o governo deslocando recursos apenas para o agronegócio. Acontece que é a agricultura camponesa e familiar a responsável por colocar a comida na mesa dos brasileiros. Em torno de 70% dos alimentos vêm da agricultura camponesa e familiar, boa parte das mãos de mulheres através de suas hortas, quintais produtivos, pomares e roçados.
⠀⠀⠀Vale lembrar que as mulheres são as mais afetadas pela pandemia: estão na linha de frente no tratamento da COVID-19 e são, geralmente, dentro da estrutura patriarcal que vivemos, as responsáveis pelo cuidado da casa e da saúde. Para as camponesas significa ainda ser a responsável por botar comida de qualidade na mesa: são elas as conhecedoras das plantas medicinais e as que resgatam e cultivam a diversidade de sementes crioulas, os pequenos animais e que produzem boa parte dos alimentos que vão às feiras e cestas. São elas que garantem segurança e soberania alimentar, mesmo dentro dos limites impostos pelo capitalismo.
⠀⠀⠀Neste momento de crise sanitária, econômica, política e social é urgente o investimento emergencial na agricultura camponesa e familiar. Movimentos populares, entre eles o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), organizações e sindicatos do campo, das águas e das florestas se uniram na pressão e elaboração de propostas para garantir a aprovação de um “PL Emergencial da Agricultura Familiar” ou “Lei Assis Carvalho”. Aprovado na Câmara e no Senado após grande pressão popular, o PL segue para a sanção presidencial, sendo essencial, que a sanção ocorra sem vetos e de forma imediata.
⠀⠀⠀Os movimentos populares tentam garantir um PL para a agricultura como uma questão imprescindível para a produção de estoque de alimentos e distribuição para a população do campo e cidade, propondo, por exemplo, a compra direta pelo governo de produtos da agricultura familiar para a composição de cestas básicas, em que o lobby do agronegócio trabalha na força contrária. O PL ainda trata entre outros, da extensão do auxílio emergencial à agricultura camponesa e familiar; do crédito emergencial; de um Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) emergencial; do fomento mulher; da garantia safra e prorrogação da cobrança de dívidas de cooperativas e do campesinato.
⠀⠀⠀Precisamos entender que se a agricultura camponesa e familiar não planta, a cidade não janta. É preciso fortalecer e entender essa luta como do campo e da cidade, para que toda a classe trabalhadora possa ter acesso à comida de qualidade.
Comissão – Comunicalcs:
Editorial: Guilherme Scroccaro & Matheus Menezes
Notícias: Cristiano Kerber
Diagramação e Revisão: Cristiano Kerber & Eduardo Grotmann

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